CARTA
DOS DIREITOS E DEVERES
DOS DOENTES
INTRODUÇÃO
O direito à proteção da saúde está consagrado na Constituição da República Portuguesa, e assenta num conjunto de valores fundamentais como a dignidade humana, a equidade, a ética e a solidariedade. No quadro legislativo da Saúde são estabelecidos direitos mais específicos, nomeadamente na Lei de Bases da Saúde (Lei 48/90, de 24 de Agosto) e no Estatuto Hospitalar (Decreto-Lei n.º 48 357, de 27 de Abril de 1968). São estes os princípios orientadores que servem de base à Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes. O conhecimento dos direitos e deveres dos doentes, também extensivos a todos os utilizadores do sistema de saúde, potencia a sua capacidade de intervenção ativa na melhoria progressiva dos cuidados e serviços. Evolui-se no sentido de o doente ser ouvido em todo o processo de reforma, em matéria de conteúdo dos cuidados de saúde, qualidade dos serviços e encaminhamento das queixas. A Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes representa, assim, mais um passo no caminho da dignificação dos doentes, do pleno respeito pela sua particular condição e da humanização dos cuidados de saúde, caminho que os doentes, os profissionais e a comunidade devem percorrer lado a lado. Assume-se, portanto, como um instrumento de parceria na saúde, e não de confronto, contribuindo para os seguintes objetivos: Consagrar o primado do cidadão, considerando-o como figura central de todo o Sistema de Saúde; Reafirmar os direitos humanos fundamentais na prestação dos cuidados de saúde e, especialmente, proteger a dignidade e integridade humanas, bem como o direito à autodeterminação; Promover a humanização no atendimento a todos os doentes, principalmente aos grupos vulneráveis;
Desenvolver um bom relacionamento entre os doentes e os prestadores de cuidados de saúde e, sobretudo, estimular uma participação mais ativa por parte do doente; Proporcionar e reforçar novas oportunidades de diálogo entre organizações de doentes, prestadores de cuidados de saúde e administrações das instituições de saúde. Com a versão que agora se apresenta aos doentes e suas organizações, aos profissionais e entidades com responsabilidades na gestão da saúde e ao cidadão em geral, procura-se fomentar a prática dos direitos e deveres dos doentes. Visa-se, por outro lado, recolher opiniões e sugestões para um gradual ajustamento das disposições legais aos princípios que vierem a ser considerados necessários para garantir o cumprimento responsável e cívico destes direitos e deveres.
DIREITOS DOS DOENTES
1. O doente tem direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana
É um direito humano fundamental, que adquire particular importância em situação de doença. Deve ser respeitado por todos os profissionais envolvidos no processo de prestação de cuidados, no que se refere quer aos aspetos técnicos, quer aos atos de acolhimento, orientação e encaminhamento dos doentes.
É também indispensável que o doente seja informado sobre a identidade e a profissão de todo o pessoal que participa no seu tratamento.
Este direito abrange ainda as condições das instalações e equipamentos, que têm de proporcionar o conforto e o bem-estar exigidos pela situação de vulnerabilidade em que o doente se encontra.
2. O doente tem direito ao respeito pelas suas convicções culturais, filosóficas e religiosas
Cada doente é uma pessoa com as suas convicções culturais e religiosas. As instituições e os prestadores de cuidados de saúde têm, assim, de respeitar esses valores e providenciar a sua satisfação.
O apoio de familiares e amigos deve ser facilitado e incentivado.
Do mesmo modo, deve ser proporcionado o apoio espiritual requerido pelo doente ou, se necessário, por quem legitimamente o represente, de acordo com as suas convicções.
3. O doente tem direito a receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde, no âmbito dos cuidados preventivos, curativos, de reabilitação e terminais
Os serviços de saúde devem estar acessíveis a todos os cidadãos, de forma a prestar, em tempo útil, os cuidados técnicos e científicos que assegurem a melhoria da condição do doente e seu restabelecimento, assim como o acompanhamento digno e humano em situações terminais.
Em nenhuma circunstância os doentes podem ser objeto de discriminação.
Os recursos existentes são integralmente postos ao serviço do doente e da comunidade, até ao limite das disponibilidades.
4. O doente tem direito à prestação de cuidados continuados
Em situação de doença, todos os cidadãos têm o direito de obter dos diversos níveis de prestação de cuidados (hospitais e centros de saúde) uma resposta pronta e eficiente, que lhes proporcione o necessário acompanhamento até ao seu completo restabelecimento.
Para isso, hospitais e centros de saúde têm de coordenar-se, de forma a não haver quaisquer quebras na prestação de cuidados que possam ocasionar danos ao doente.
O doente e seus familiares têm direito a ser informados das razões da transferência de um nível de cuidados para outro e a ser esclarecidos de que a continuidade da sua prestação fica garantida.
Ao doente e sua família são proporcionados os conhecimentos e as informações que se mostrem essenciais aos cuidados que o doente deve continuar a receber no seu domicílio. Quando necessário, deverão ser postos à sua disposição cuidados domiciliários ou comunitários.
5. O doente tem direito a ser informado acerca dos serviços de saúde existentes, suas competências e níveis de cuidados
Ao cidadão tem que ser fornecida informação acerca dos serviços de saúde locais, regionais e nacionais existentes, suas competências e níveis de cuidados, regras de organização e funcionamento, de modo a otimizar e a tornar mais cómoda a sua utilização.
Os serviços prestadores dos diversos níveis de cuidados devem providenciar no sentido de o doente ser sempre acompanhado dos elementos de diagnóstico e terapêutica considerados importantes para a continuação do tratamento. Assim, evitam-se novos exames e tratamentos, penosos para o doente e dispendiosos para a comunidade.
6. O doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde
Esta informação deve ser prestada de forma clara, devendo ter sempre em conta a personalidade, o grau de instrução e as condições clínicas e psíquicas do doente.
Especificamente, a informação deve conter elementos relativos ao diagnóstico (tipo de doença), ao prognóstico (evolução da doença), tratamentos a efetuar, possíveis riscos e eventuais tratamentos alternativos.
O doente pode desejar não ser informado do seu estado de saúde, devendo indicar, caso o entenda, quem deve receber a informação em seu lugar.
7. O doente tem o direito de obter uma segunda opinião sobre a sua situação de saúde
Este direito, que se traduz na obtenção de parecer de um outro médico, permite ao doente complementar a informação sobre o seu estado de saúde, dando-lhe a possibilidade de decidir, de forma mais esclarecida, acerca do tratamento a prosseguir.
8. O doente tem direito a dar ou recusar o seu consentimento, antes de qualquer ato médico ou participação em investigação ou ensino clínico
O consentimento do doente é imprescindível para a realização de qualquer ato médico, após ter sido corretamente informado.
O doente pode, excetuando alguns casos particulares, decidir, de forma livre e esclarecida, se aceita ou recusa um tratamento ou uma intervenção, bem como alterar a sua decisão.
Pretende-se, assim, assegurar e estimular o direito à autodeterminação, ou seja, a capacidade e a autonomia que os doentes têm de decidir sobre si próprios.
O consentimento pode ser presumido em situações de emergência e, em caso de incapacidade, deve este direito ser exercido pelo representante legal do doente.
9. O doente tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que lhe respeitam
Todas as informações referentes ao estado de saúde do doente – situação clínica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e dados de carácter pessoal – são confidenciais. Contudo, se o doente der o seu consentimento e não houver prejuízos para terceiros, ou se a lei o determinar, podem estas informações ser utilizadas.
Este direito implica a obrigatoriedade do segredo profissional, a respeitar por todo o pessoal que desenvolve a sua atividade nos serviços de saúde.
10. O doente tem direito de acesso aos dados registados no seu processo clínico
A informação clínica e os elementos identificativos de um doente estão contidos no seu processo clínico.
O doente tem o direito de tomar conhecimento dos dados registados no seu processo, devendo essa informação ser fornecida de forma precisa e esclarecedora.
A omissão de alguns desses dados apenas é justificável se a sua revelação for considerada prejudicial para o doente ou se contiverem informação sobre terceiras pessoas.
11. O doente tem direito à privacidade na prestação de todo e qualquer ato médico
A prestação de cuidados de saúde efetua-se no respeito rigoroso do direito do doente à privacidade, o que significa que qualquer ato de diagnóstico ou terapêutica só pode ser efetuado na presença dos profissionais indispensáveis à sua execução, salvo se o doente consentir ou pedir a presença de outros elementos.
A vida privada ou familiar do doente não pode ser objeto de intromissão, a não ser que se mostre necessária para o diagnóstico ou tratamento e o doente expresse o seu consentimento.
12. O doente tem direito, por si ou por quem o represente, a apresentar sugestões e reclamações
O doente, por si, por quem legitimamente o substitua ou por organizações representativas, pode avaliar a qualidade dos cuidados prestados e apresentar sugestões ou reclamações.
Para esse efeito, existem, nos serviços de saúde, o gabinete do utente e o livro de reclamações.
O doente terá sempre de receber resposta ou informação acerca do seguimento dado às suas sugestões e queixas, em tempo útil.
DEVERES DOS DOENTES
1. O doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde. Isto significa que deve procurar garantir o mais completo restabelecimento e também participar na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive.
2. O doente tem o dever de fornecer aos profissionais de saúde todas as informações necessárias para obtenção de um correto diagnóstico e adequado tratamento.
3. O doente tem o dever de respeitar os direitos dos outros doentes.
4. O doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites.
5. O doente tem o dever de respeitar as regras de funcionamento dos serviços de saúde.
6. O doente tem o dever de utilizar os serviços de saúde de forma apropriada e de colaborar ativamente na redução de gastos desnecessários.